-
Um relato de esperança
outubro 26, 2015
Notícias -
Na sexta-feira dia (23/10), foi escrita a última página de uma história iniciada lá no distante ano de 1998. Contra todas as probabilidades, fez-se a entrega da decisão que determinou a EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ao cliente mais antigo do escritório. A alegria contagiou o ambiente e a satisfação pessoal invadiu meu ser pelo dever cumprido, porque não se tratava apenas de UM cliente e seu processo. Não. Era alguém, já naquela época, muito estigmatizado pela mídia, que funcionava como porta-voz da “publicidade” dos órgãos de segurança pública. Era rotulado como o “Criminoso Nº 1”, levando o senso comum a tratá-lo como o mais perigoso e irrecuperável ser da face da Terra. Como produto midiático, ganhou manchetes e tornou-se maior que seus feitos e processos, o que o fez, decerto, campeão de venda de jornais. Não obstante os graves delitos que lhe foram atribuídos (absolvido na maioria), a consequência da sistemática exposição midiática acabou acarretando enormes problemas – sobejamente superiores aos de um réu qualquer-, impondo-lhe privações e dificuldades, tanto no cumprimento da pena, como nos processos judiciais, onde vigorava o direito penal do autor, não do fato. Viveu boa parte de sua vida no sistema prisional gaúcho com todos os seus horrores. Cumpriu a pena além da pena, muito mais gravosa a que foi condenado, humanamente inexigível. Por seus méritos, há tempo alçou-se à liberdade sem fraquejar, e agora a decisão reconhece que “nada mais deve à justiça”. Pois nessa mesma semana, na Assembleia Legislativa, ocorreu seminário sobre o nosso sistema prisional. Diversas entidades de estado e da sociedade estiveram presentes ao debate. Em certo momento foi lembrada – por ilustre membro do Ministério Público-, manifestação ocorrida há 20 anos pelo então Secretário de Segurança Pública do RGS, José Paulo Bisol: “Trabalhando todos esses anos no sistema prisional, quero dizer que nunca vi tanto ódio junto. Nós estamos cercados pelo ódio”. Sim, já naquele tempo havia a preocupação com o crescimento da difusão do ódio, expressado hoje nas redes sociais como mantra de que “bandido bom é bandido morto”. Não sei qual será o futuro do cidadão que esteve no escritório para o abraço de despedida. Só sei que ele venceu a batalha contra todas as forças negativas que lhe insistiam com o não; contra a sociedade que quer mais que preso morra de fome; contra a negligência da administração pública que não investe em presídios e na ressocialização de presos; contra o preconceito criado pela mídia seletiva; contra o senso comum que repete sem pensar chavoēs idiotizantes; contra os moralistas de plantão que exigem leis cada vez mais severas, para os outros; contra a intolerância de todos nós; contra todo o preconceito. Acho que seus olhos marejados e o sorriso enigmático foram a mais completa expressão de satisfação. Sinto-me agradecido e honrado pelo privilégio de ser protagonista desse feito. Sei que ele irá aproveitar sua liberdade com sua família, mas sem nunca esquecer por um segundo o que viveu. Shopenhauer dizia que “o ser humano só se sublima quando sente compaixão”. E só se sente compaixão quando se consegue se colocar no lugar do outro.
Ronaldo Farina.


Leave a reply